O ministro da Justiça do governo Bolsonaro, Anderson Torres, negou ter participado do plano de golpe e defendeu que os seus posicionamentos públicos e aqueles reservados ao âmbito do governo de Jair Bolsonaro (PL) refletiam um empenho em fazer com que o ex-presidente fosse reeleito.
Torres foi o segundo réu na ação penal da tentativa de golpe de Estado a prestar depoimento à Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), nesta terça-feira (10). Além de chefe da pasta, o delegado também foi secretário de segurança do Distrito Federal durante os ataques de 8 de janeiro de 2023, que culminaram na invasão e depredação dos prédios dos Três Poderes.
Live, reunião ministerial e minuta golpista
Um dos primeiros pontos questionados pelo ministro Alexandre de Moraes foi uma reunião ministerial realizada em 5 de julho de 2022 na presença de Jair Bolsonaro. Na ocasião, Torres teria dito que “todos vão se foder” caso o ex-presidente perdesse as eleições. Sobre o assunto, o ex-ministro afirmou que faltou “com a polidez”. “O que queria era pedir empenho de todos, dentro de suas pastas, [que] pudessem demonstrar todas as entregas, para que a gente se unisse para ganhar a eleição”, disse Torres.
Anderson Torres também reconheceu que o Ministério da Justiça não encontrou indícios de fraudes no sistema eleitoral ao falar sobre um relatório da Polícia Federal (PF) e a segurança das urnas eletrônicas durante uma live em julho de 2022, no Palácio da Alvorada, ao lado do ex-presidente.
“No âmbito do Ministério da Justiça propriamente dito, sem ser através da Polícia Federal, não temos setor, nem área nenhuma que trabalhe com essa questão de urnas eletrônicas. Tecnicamente falando, não temos nada que aponte fraude nas urnas. Nunca chegou essa notícia até mim”, afirmou Torres.
“Quando era questionado pelo presidente [Bolsonaro] e por qualquer autoridade, eu sempre ei isso: não tínhamos tecnicamente nada a dizer sobre as urnas eletrônicas. O material que tive o eram sugestões de melhorias às urnas eletrônicas”, declarou o ex-chefe da Justiça. “Eu nunca questionei a lisura do processo eleitoral. Todas as minhas falas foram sugestões técnicas de melhorias.”
Outro assunto foi a chamada minuta de um decreto golpista, encontrada na casa de Anderson Torres. Repetindo o depoimento que deu anteriormente à PF, Torres afirmou que o documento foi parar em sua casa por uma “fatalidade” e que não tratou do assunto com Jair Bolsonaro.
“Eu realmente nem me lembrava dessa minuta. A gente recebia uma série de coisas pelo Whatsapp, papel. Uma outra autoridade recebeu três minutas como essa. E isso foi parar na minha casa, onde foi colocado para ser descartado. Eu nunca discuti esse assunto com o presidente. Isso foi uma fatalidade que aconteceu”, disse.
Operações da PRF
Além de disseminar desinformação sobre o sistema eleitoral e elaborar documentos para o plano golpista, Anderson Torres é acusado de instrumentalizar a Polícia Rodoviária Federal (PRF) para beneficiar Bolsonaro durante o segundo turno das eleições de 2022.
Ele foi questionado sobre um mapeamento de inteligência sobre o resultado do primeiro turno das eleições do ano ado, utilizado para fundamentar as operações da PRF no Nordeste no segundo turno. O documento foi elaborado por Marília Ferreira Alencar, ex-diretora de Inteligência da Secretaria de Segurança Pública do DF na gestão de Anderson Torres, que também foi denunciada pela Procuradoria-Geral da República (PGR).
Dados do Ministério da Justiça apontam que a PRF fiscalizou, entre os dias 28 e 30 de outubro, 2.185 ônibus no Nordeste, 893 no Centro-Oeste, 632 no Sul, 571 no Sudeste e 310 no Norte. Quanto às diárias pagas no primeiro e no segundo turnos, em 2 de outubro, foram aplicados R$ 500 mil, enquanto no dia 30 do mesmo mês foram cerca de R$ 13 milhões.
Os bloqueios em estradas e rodovias foram feitos a despeito da determinação imposta pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que proibiu a realização de qualquer mobilização que pudesse restringir a locomoção de eleitores e eleitoras no dia de votação.
Segundo a Polícia Federal, “houve uma atuação orquestrada deliberada pelo ministro da Justiça, empregando recursos materiais e humanos do Ministério da Justiça, da Polícia Federal e da Polícia Rodoviária Federal como força armada para criar óbices e intimidação aos eleitores do Nordeste, com a finalidade de alterar o resultado das eleições presidenciais de 2022 e favorecer a manutenção na Presidência da República de Jair Messias Bolsonaro”.
Durante o seu depoimento, Anderson Torres negou que as operações foram uma tentativa de interferir no processo eleitoral. “Sempre pedi o combate aos crimes eleitorais, independente de partido”, disse.
8 de janeiro
Sobre os atos golpistas do 8 de janeiro de 2023, Anderson Torres, que estava de férias nos Estados Unidos no dia, afirmou que não houve omissão, mas sim uma falha no protocolo de segurança.
“Vejo que houve falha muito grave no cumprimento do protocolo. Esse Protocolo de Ações Integradas é considerado gravoso porque impacta muito a vida do brasiliense. É uma coisa que a gente faz em poucos casos. Houve uma falha grave no cumprimento desse protocolo. Fui surpreendido por isso no domingo”, afirmou.
“Liguei diversas vezes para o comandante da PM, perguntei porque houve a falha, liguei para o governador, para o procurador de Justiça do DF. Fiquei desesperado. Do jeito que eu deixei o DF, era impensável que acontecesse o que aconteceu. Houve uma falha grave”, prosseguiu.
Como em outros momentos, Torres se disse surpreso com a manifestação de bolsonaristas. “Eu vinha fazendo acompanhamento da questão da inteligência no DF. Até o dia 6, a gente não tinha notícias de ônibus chegando. A gente não tinha notícias de que a coisa tomaria o rumo que tomou a partir dos dias 7 e 8”, declarou.
Antes de Anderson Torres, o ex-comandante da Marinha, Almir Garnier, também prestou depoimento. Na sequência, serão ouvidos Augusto Heleno, ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI); Jair Bolsonaro; Paulo Sérgio Nogueira, ex-ministro da Defesa; e Walter Braga Netto, ex-ministro e candidato a vice na chapa para a reeleição do ex-presidente.
Concluída a fase dos interrogatórios, a defesa e a acusação poderão pedir diligências complementares. Depois será aberto um prazo de 15 dias para que as partes apresentem um resumo com as alegações finais favoráveis ou contrárias aos réus. Por fim, os ministros votarão pela condenação, com a fixação de penas, ou pelo arquivamento do caso. Diante das duas decisões, será possível apresentar recursos dentro do próprio STF.