A intensificação da repressão contra imigrantes nos Estados Unidos, com atuação militarizada da polícia migratória (ICE) e da Guarda Nacional, indica o aprofundamento do autoritarismo no país. Para Clarissa Forner, professora de Relações Internacionais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), entrevistada no Conexão BdF, da Rádio Brasil de Fato, há uma tentativa do governo de Donald Trump de “manufaturar uma atmosfera de crise” para justificar o uso excessivo da força.
“Ele cria uma situação que legitime o uso desses dispositivos para militarizar ainda mais tanto a política migratória quanto a segurança pública”, analisa. Na sua visão, o cenário atual nos EUA “remonta ao lugar da caça às bruxas“. “A quantidade de ações e de autoridades que o ICE tem adquirido nos últimos dias é quase sem precedente […], um cenário bastante persecutório e preocupante”, declara.
A internacionalista ressalta que ações como prisões de mães com filhos no colo, feitas por agentes encapuzados e sem identificação oficial, revelam o avanço de um “Estado policial”. “Circulou nas redes oficiais da Casa Branca e do Departamento de Segurança Doméstica uma espécie de cartaz que remonta à estética da década de 1950, do macartismo, dizendo: ‘Se você viu um imigrante ilegal, denuncie’. É super assustador, para dizer o mínimo”, conta.
Segundo ela, o aparato de segurança e vigilância é impulsionado por um departamento que responde diretamente à Casa Branca, o que dá mais margem para arbitrariedades. “O ICE está conectado ao Departamento de Segurança Doméstica, que tem se responsabilizado cada vez mais pelas questões migratórias. Isso dá uma certa flexibilidade para que Trump consiga usar esses dispositivos com maior facilidade”, afirma.
Reação da Califórnia inverte narrativa trumpista
No centro da resistência política à guinada autoritária está o governador da Califórnia, Gavin Newsom, que fez duras críticas a Trump ao compará-lo a um ditador e dizer que “os EUA estão vendo o fim da democracia diante de seus olhos”. Para Clarissa Forner, o pronunciamento teve um “grande mérito” ao inverter a narrativa tradicional da extrema direita.
“Ele [o governador] pontua que, na verdade, quem está causando a instabilidade e inflamando essa situação de caos da ordem pública é o próprio Trump. O discurso do governo vai no caminho contrário, de dizer que os manifestantes estão causando uma rebelião, são criminosos”, destaca.
Apesar disso, ela alerta que Newsom não representa necessariamente uma figura progressista, e divide opiniões no Partido Democrata. “Ele reforça a perspectiva de que tanto democratas quanto republicanos na Califórnia têm sido responsivos em relação à imigração irregular. Ele não se furta de usar esses dispositivos coercitivos quando necessário”, diz, mencionando também polêmicas do gestor em relação à população em situação de rua e falas controversas sobre atletas trans.
A escalada repressiva pode, segundo Forner, desgastar a imagem de Trump, inclusive entre seus eleitores mais moderados. “A intensificação da violência a uma imagem de instabilidade. Isso pode reverberar com o aspecto econômico, que não tem apresentado melhoras. A inflação continua alta e a política tarifária parece errática. Isso também pode causar problemas para a imagem do Trump”, avalia.
Apesar do apoio atual, ela não descarta também um eventual descontentamento dos setores mais conservadores. “O eleitorado de extrema direita apresenta uma rejeição a esse inchaço do aparato governamental, tem uma certa desconfiança dessa instituição federal, de forma geral. E o que temos visto é justamente um aumento desses dispositivos de segurança”, aponta.
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