Em novembro deste ano, o país sediará a 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP30), em Belém (PA). Entretanto, em vez de reafirmar seu papel de liderança, o Brasil caminha internamente, em direção oposta, justamente quando os olhos do mundo se voltam para o nosso território.
Em 21 de maio, o Senado aprovou o PL 2159/2021, conhecido por ambientalistas como “PL da Devastação”, projeto que desfigura a atual política de licenciamento ambiental. A proposta, que agora volta à Câmara dos Deputados, enfraquece os critérios de avaliação de projetos com potencial impacto ambiental. Na prática, revoga proteções que demoraram décadas para serem estabelecidas.
Entre os principais retrocessos previstos, destacam-se: o autolicenciamento em massa, pelo qual qualquer interessado conseguiria licença ambiental sem análise prévia; a isenção de licenciamento até para empreendimentos de grande porte; e a transferência de responsabilidade para estados e municípios, que poderão ampliar essas isenções sem consulta ou aval de órgãos ambientais competentes.
O PL também representa uma ameaça significativa aos Territórios Quilombolas, Terras Indígenas e às Unidades de Conservação. Ao excluir do processo de licenciamento as Terras Indígenas e Quilombolas ainda não regularizadas, mais de 96% das comunidades quilombolas e cerca de 40% dos territórios indígenas, conforme dados do Instituto Socioambiental (ISA), deixariam de ter voz quando atividades potencialmente degradantes são autorizadas em seus territórios.
Nas Unidades de Conservação, a proposta limita a análise aos impactos diretos, ignorando as repercussões indiretas que podem ser destrutivas para os ecossistemas.
Esse ataque simultâneo a direitos territoriais e a mecanismos de proteção ambiental revela que o PL não se limita a flexibilizar regras, mas abre caminho para um retrocesso que agrava a desigualdade socioambiental e coloca em risco populações historicamente vulneráveis.
É um paradoxo preocupante. Ao mesmo tempo em que o Brasil assumiu compromissos internacionais com metas ambiciosas como o Plano Nacional de Recuperação da Vegetação Nativa (Planaveg), que prevê restaurar 12 milhões de hectares de vegetação nativa até 2030 e busca se consolidar como liderança na transição ecológica global, o Congresso Nacional avança com pautas que fragilizam os marcos legais de proteção ambiental e social. Esse movimento contradiz os esforços de recuperação e sustentabilidade assumidos pelo próprio Estado brasileiro em fóruns multilaterais.
A justificativa de que o licenciamento trava investimentos por ser “burocrático” não se sustenta. O que se propõe não é uma modernização dos processos, mas sim a sua corrosão. Essa é a institucionalização do apagamento. Uma autorização legal para que se repita, e se silencie, tragédias como as de Mariana e Brumadinho, em Minas Gerais. O que nos falta, portanto, é rigor na aplicação das regras, e não o seu afrouxamento.
O Ministério do Meio Ambiente foi claro ao afirmar que o PL é uma afronta ao artigo 225 da Constituição Federal, que garante a todos o direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado. Ao desfigurar o licenciamento, o projeto ignora esse princípio e legaliza a degradação dos biomas, dos territórios e dos direitos.
O que está em jogo vai além de disputas partidárias ou técnicas. Trata-se de uma escolha entre dois projetos de país: um que valoriza as vegetações em pé, os rios vivos, os modos de vida tradicionais, e outro que trata o meio ambiente como obstáculo ao lucro rápido.
Neste momento, a força política da bancada ruralista se impõe com voracidade, sufocando vozes comprometidas com a justiça socioambiental.
A batalha será desigual, mas é fundamental que haja mobilização popular, posicionamento firme do Executivo e atução estratégica da sociedade civil organizada. Não basta o veto técnico de Marina Silva é preciso que o presidente Lula se posicione com clareza, não há espaço para neutralidade: ou defendemos a vida, ou permitimos sua destruição.
O Brasil tem a chance de liderar, com legitimidade, a luta global contra as mudanças climáticas. Mas não pode fazer isso com as mãos sujas de devastação legislada. Sediar a COP30 exige coerência, compromisso real e respeito aos marcos legais que protegem o meio ambiente e os povos do nosso país.
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*Natanna Horstmann é engenheira florestal, mestre em Ciências Florestais e atua como coordenadora de produção de sementes nativas de base comunitária na Rede de Sementes do Cerrado (RSC).
**Este é um artigo de opinião. A visão da autora não necessariamente expressa a linha editorial do Brasil de Fato.